Excelente texto deste economista. Sabemos que, sobretudo ultimamente, os economista só dizem coisas estúpidas. Mas esse texto aqui, ótimo. E se atentem à "dica" dada pelo autor no 11o. parágrafo (grifo nosso). Concordo com ele.
JC e-mail 4449, de 06 de Março de 2012
Jean-Pierre Lehmann é professor de Política Econômica Internacional
no IMD, diretor fundador do Evian Group no IMD e pesquisador sênior no
Fung Global Institute em Hong Kong. Artigo publicado no Valor Econômico
de hoje (6).
Ao olhar para o mundo em 2012, observamos que ele continua cheio de
oportunidades, mesmo se comparado com apenas dez ou 20 anos atrás. No
entanto, ainda estamos em choque por causa da crise de 2008 –
financeira, sim; porém uma crise mais sistêmica e de confiança. A
colaboração global – cada vez mais um paradoxo -, infelizmente carece de
apoio em áreas-chave, como comércio, finanças, pobreza, doenças,
alimentação, água, clima e geopolítica. O mundo mais parece um vulcão,
podendo explodir a qualquer momento.
O “Financial Times” começou o ano de 2012 com uma série intitulada “O
capitalismo em crise”. Em um editorial, foi escrito: “O capitalismo
ressurgente da década de 1980, sob a liderança de Ronald Reagan e
Margaret Thatcher… provou-se não apenas instável, mas, em aspectos
importantes, injusto”.
O capitalismo e a economia de mercado global irão sobreviver apenas
se houver reformas radicais. As reformas são essenciais não só nas
instituições e políticas, mas também em cultura e mentalidades – as
formas como concebemos o planeta e como o queremos. Então, enquanto me
preparo para me aposentar como diretor do Evian Group no IMD e como
professor de política econômica internacional no IMD, ofereço alguns
“pensamentos de despedida” que parecem pertinentes ao contexto global e à
agenda Evian/IMD. São pensamentos sobre erros e como corrigí-los, a fim
de tornar o planeta um lugar em que gostaríamos de viver, e também onde
gostaríamos de ver nossos filhos e netos.
As armadilhas da complacência – os mandamentos do realismo sóbrio. É
verdade que a crise poderia ser prevista, mas claro que não em seus
pormenores exatos. Mas note a seguinte frase, de Joseph Stiglitz, em
2002, em ‘Globalização e suas insatisfações’: “Hoje, o sistema
capitalista está em uma encruzilhada, assim como esteve durante a Grande
Depressão”. Nos anos que precederam a crise houve um senso de
complacência generalizado nos círculos governamentais e empresariais,
pelo qual pagamos caríssimo.
As elites precisam mudar. Exceto alguns indivíduos excepcionais; em
termos gerais, o planeta tem sido mal servido por suas elites. O que é
surpreendente é seu altíssimo grau de incompetência, além de aparentarem
ser insensíveis. As muitas manifestações, como Occupy Wall Street, não
são motivadas pelo ressentimento contra a riqueza em si, mas como a
riqueza é obtida. Precisamos de elites novas ou reformadas, com mais
competência, responsabilidade, sensibilidade, consciência e muito mais
humildade.
O financeiro deve vir em segundo plano; e a economia real, em
primeiro. Recentemente, tem sido o inverso – as finanças em primeiro
plano e a economia real, em segundo. A menos que o financeiro seja
domado, a crise do capitalismo vai continuar e, provavelmente, acabará
arruinando o sistema. Este é um imperativo também para abordar o
verdadeiro câncer que está destruindo as sociedades em todo o mundo: a
injustiça.
O imperativo de uma luta unificada e bem-sucedida contra a injustiça.
O sentimento generalizado de injustiça provém de níveis altíssimos (e
crescentes) de desigualdade – não só de renda, mas de oportunidades de
educação, saúde e meio ambiente. Atacar a injustiça social tem de ser
responsabilidade de todos, principalmente das elites. Mentalidades e
cultura precisam de uma mudança radical.
Restaurando o respeito ao serviço público e o senso de comunidade. Ao
tomar posse, em janeiro de 1961, o presidente dos EUA, John Kennedy,
declarou: “Não perguntem o que seu país pode fazer por você – pergunte o
que você pode fazer por seu país”. Havia um pressuposto implícito da
dignidade e obrigação do serviço público. Duas décadas depois, em sua
cerimônia de posse, Ronald Reagan afirmou: “Nesta atual crise, o governo
não é a solução para nosso problema: o governo é o problema”. Desde
então, e até a crise atual, tem havido uma tendência para venerar o
mercado e denegrir o governo.
Tem de haver uma ênfase muito maior no serviço público e comunidade.
As pessoas com vantagem trazem benefícios aos menos favorecidos. São
também os modelos que buscamos, e que constroem o planeta que queremos.
Trazer as ciências humanas de volta. Outra causa da crise do
capitalismo é a marginalização das ciências humanas em favor de matérias
e cursos mais “práticos”, como administração, contabilidade, marketing,
etc. A elite reformada precisa ter uma base intelectual sólida e
profunda. Para entender a condição humana e moldar o planeta que
queremos, deveria haver muito mais estudos de história, geografia,
literatura, arte, música, filosofia, antropologia, religião, etc.
lites ocidentais são, em sua maioria, muito mal preparadas para as
transformações globais. Pouquíssimas têm experiência fora da Europa
Ocidental e América do Norte; dificilmente falam chinês ou outras
línguas asiáticas; e muito menos estudaram em universidades
não-ocidentais. Este é outro aspecto fundamental em que precisamos de
elites novas ou reformadas – aquelas que conhecem bem o planeta, e não
apenas um canto dele!
Na criação da aldeia global, as ciências humanas são extremamente
importantes. Não basta apenas ter conhecimento básico das fontes de
cultura e civilização de uma sociedade, mas também uma “sensibilização”
de suas atuais dinâmicas e aspirações. Isto pode ser realizado através
da literatura contemporânea. Os conhecimentos obtidos também fornecem a
possibilidade de se adquirir o fator tão essencial para a construção do
planeta que queremos: a empatia.
Este último aspecto é o mais importante e relevante para a agenda
Evian/IMD. Uma escola de negócios global precisa desenvolver
alfabetização cultural global, compreensão e empatia. Embora a agenda
Evian esteja focada principalmente no comércio, ela é bastante baseada
na forte convicção filosófica de que um mercado global não pode
funcionar sem uma aldeia global robusta.
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