África: repouso sobre um mar de água doce
Por Daniel Galiléia | EFE – sex, 1 de fev de 2013Segundo um cálculo de volume dos aquíferos, realizado por um grupo de pesquisadores coordenado pelo hidrogeólogo Alan MacDonald, do Serviço Geológico Britânico (BGS, na sigla em inglês) e publicado na revista científica "Environmental Research Letters", sob as areias e terras africanas, jazem mais de 500 mil quilômetros cúbicos de água.
Os especialistas do BGS, junto com pesquisadores da Universidade College London (UCL) mapearam detalhadamente a quantidade e o rendimento potencial deste recurso subterrâneo em todo o continente africano.
Da análise dos mapas hidrogeológicos atuais dos governos nacionais e de 283 estudos dos aquíferos, deduziram que vários países atualmente com escassez hidráulica têm uma reserva considerável de água subterrânea.
Segundo a hidrogeóloga Helen Bonsor, da BGS e uma das autoras do estudo, "o maior armazenamento de água subterrânea se encontra no norte da África, nas grandes bacias sedimentares de Líbia, Argélia e Chade. A quantidade de armazenamento nessas bacias é equivalente a uma espessura de 75 metros de água, que é uma quantidade enorme".
Além disso, os hidrogeólogos britânicos detectaram a presença de grandes reservas no litoral de Mauritânia, Senegal, Gâmbia e parte da Guiné-Bissau, assim como no Congo e na zona limítrofe entre Zâmbia, Angola, Namíbia e Botsuana.
De acordo com o BGS, os aquíferos africanos se encheram de água pela última vez há mais de 5 mil anos e, através dos séculos, se estenderam pela vasta área do Deserto do Saara.
Nessa época, o Saara era um enorme pomar, com lagos e vegetação de savana, mas se transformou no maior deserto cálido do planeta há 2.700 anos após um lento processo de desertificação.
Se estes recursos hídricos - equivalentes a 100 vezes a quantidade superficial de todo o continente - fossem aproveitados racionalmente, aliviaria-se um dos grandes problemas da África, onde habitualmente falta água para 40 % da população e, em 2011, houve a pior seca em 60 anos.
Segundo relatório das Nações Unidas, a escassez de chuvas afetou neste ano mais de 10 milhões de pessoas no Chifre da África (África oriental) causando uma grave crise alimentícia e o aumento dos índices de desnutrição em grandes áreas de Somália, Etiópia, Djibuti e Quênia.
Além das mortes a que a cada ano a África assiste aos milhares devido a mazelas relacionadas à falta de água potável e de higiene e saneamentos adequados, a seca e a sede nas zonas rurais e urbanas têm um impacto devastador na vida da população, especialmente a feminina.
HIDRATAÇÃO, "INIMIGA" DA EDUCAÇÃO
Em muitas regiões, os africanos precisam andar a pé vários quilômetros por dia carregando potes e garrafas de plástico para pegar água e, caso bebam o líquido sem fervê-lo, adoecem. Devido a essa tarefa, muitas meninas não podem ir à escola e muitas mulheres não podem ter atividades que lhes garantiriam renda ou ficar mais tempo com os filhos.
Segundo organizadores da Década Internacional para a Ação "A água, fonte de vida", 2005-2015', a falta de acesso à água limpa significa várias horas desperdiciadas por dia em sua busca e estima-se que se percam 443 milhões de dias letivos, especialmente as meninas, já que em muitos países subsaarianos as mulheres se encarregam do abastecimento, diz o relatório.
Na opinião de Alan MacDonald, as grandes bolsas de líquido descobertas no subsolo "poderia aliviar a situação de mais de 300 milhões de africanos que não têm água potável e melhorar a produtividade dos cultivos".
De acordo com o BGS, em muitas regiões áridas e semi-áridas da África é possível extrair água para abastecer o povo mediante poços artesanais, salvo em alguns países do norte como a Líbia, onde os aquíferos jazem a partir dos 250 metros, e faria falta empregar uma infraestrutura mais cara e complexa.
"Em áreas onde os aqüíferos estão a menos de 20 metros de profundidade,se podem construir poços equipado com bombas de mão situadas nas partes mais produtivas do aqüífero. Na África há qualificados ++hidrogeólogos++ que podem supervisionar o processo", explicou o doutor MacDonald.
OS RISCOS DA EXTRAÇÃO
Mas a extração tem seus riscos. Grande parte das reservas é de "águas fósseis" que estão lá há muito tempo e, se forem extraídas, talvez não voltem a encher de novo. Além disso, a água subterrânea mantém a umidade da terra que sobre ela e está relacionada a lagos, rios, pântanos e pantanais. Se for retirada de forma impensada, os terrenos superficiais podem secar, segundo especialistas de Ecologistas em Ação.
Para MacDonald, em alguns locais a reposição de água dos aquíferos está garantida, mas no Saara, onde chove muito pouco, a contribuição pluvial não bastaria para mantê-los.
"Na maior parte da África as precipitações não bastam para encher os aquíferos, por isso não seria recomendável extrair mais água do que a que se repõe todo ano com a chuva", argumentou o hidrogeólogo.
"Se forem escavados poços com bombas manuais, o risco de que os aquíferos sequem na maioria das áreas mais povoadas da África é baixo, mas se forem perfurados poços para extrair grande quantidade de água para uso em regadios, existe o risco de que se esgotem", advertiu MacDonald.
Os cientistas são cautelosos sobre como acessar esses recursos ocultos e sustentam que as perfurações em grande escala talvez não sejam a melhor forma de aumentar o abastecimento de água.
Segundo Bonsor, os meios de extração lentos - basicamente poços de perfuração superficiais em locais apropriados para provisão rural de água e bombas de mão - podem ser os mais eficientes e "nosso trabalho demonstra que, com prospecção e construção cuidadosas, há água subterrânea suficiente na África para concentrar-se em perfuração superficial e com isso suprir a demanda".
Na Namíbia, onde as 800 mil pessoas que vivem no norte dependem de um canal pelo qual a água potável chega do outro lado da fronteira com a Angola, foi identificado um novo aquífero chamado Ohangwena II, que flui sob o limite entre os dois países.
"É uma massa de água substancial que, no lado namibiano da fronteira, cobre uma área de aproximadamente 70 por 40 quilômetros", segundo o diretor do projeto, Martin Quinger, do Instituto Federal Alemão de Geociências e Recursos Naturais(BGR), que trabalha com o país africano para obter um abstecimento hídrico sustentável.
Segundo Quinger, "a quantidade de água armazenada igualaria a provisão atual durante 400 anos no norte da Namíbia, onde vivem 40% da população nacional, e poderia atuar como uma armazenagem natural para até 15 anos de seca".
De acordo com o BGR, a pressão natural que está sobre a água indica que o recurso é fácil e de extração barata, embora seja preciso cumprir uma série recomendações técnicas, já que está debaixo de outro aquífero salgado menor, que poderia contaminá-la.
"Se a água passou 10 mil anos debaixo da terra, significa que foi recarregada em uma época em que a poluição ambiental ainda não era um problema, de modo que, em média, pode ser muito melhor para beber que a água que se filtra em ciclos de meses ou anos", assinalou Quinger.
O estudo do BGS sobre as bacias subterrâneas de água lembra que na África a demanda de água "está destinada a crescer consideravelmente nas próximas décadas devido ao crescimento demográfico e à necessidade de irrigação para a plantação".
A encruzilhada em que o continente está se reflete em dois dados: segundo a organização Perspectivas Econômicas na África (AEO), a economia africana poderia crescer 4,5% em 2012 e 4,8% em 2013, mas segundo outro relatório divulgado em Doha na Cúpula da ONU de Mudança Climática, "a disponibilidade de água nos países do norte da África será reduzida à metade em 2050 devido ao aumento de população".
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