domingo, 3 de fevereiro de 2013

África: repouso sobre um mar de água doce

Se explorarem da forma correta será ótimo. Mas, se bem conheço as coisas, nada na África é explorado da forma correta...


África: repouso sobre um mar de água doce

Menino sentado junto a um charco enquanto um grupo de camelos bebem (Fotos: EFE)A escassez, não só de água mas também de desenvolvimento econômico, poderia deixar de ser um dos símbolos históricos de identidade do continente africano se um de seus grandes recursos naturais ocultos, e recém-descobertos, fosse aproveitado: os vastos aquíferos subterrâneos, que estão sendo mapeados.

Segundo um cálculo de volume dos aquíferos, realizado por um grupo de pesquisadores coordenado pelo hidrogeólogo Alan MacDonald, do Serviço Geológico Britânico (BGS, na sigla em inglês) e publicado na revista científica "Environmental Research Letters", sob as areias e terras africanas, jazem mais de 500 mil quilômetros cúbicos de água.

Os especialistas do BGS, junto com pesquisadores da Universidade College London (UCL) mapearam detalhadamente a quantidade e o rendimento potencial deste recurso subterrâneo em todo o continente africano.

Da análise dos mapas hidrogeológicos atuais dos governos nacionais e de 283 estudos dos aquíferos, deduziram que vários países atualmente com escassez hidráulica têm uma reserva considerável de água subterrânea.

Segundo a hidrogeóloga Helen Bonsor, da BGS e uma das autoras do estudo, "o maior armazenamento de água subterrânea se encontra no norte da África, nas grandes bacias sedimentares de Líbia, Argélia e Chade. A quantidade de armazenamento nessas bacias é equivalente a uma espessura de 75 metros de água, que é uma quantidade enorme".

Além disso, os hidrogeólogos britânicos detectaram a presença de grandes reservas no litoral de Mauritânia, Senegal, Gâmbia e parte da Guiné-Bissau, assim como no Congo e na zona limítrofe entre Zâmbia, Angola, Namíbia e Botsuana.

De acordo com o BGS, os aquíferos africanos se encheram de água pela última vez há mais de 5 mil anos e, através dos séculos, se estenderam pela vasta área do Deserto do Saara.

Nessa época, o Saara era um enorme pomar, com lagos e vegetação de savana, mas se transformou no maior deserto cálido do planeta há 2.700 anos após um lento processo de desertificação.

Mulheres africanas enchem caixas de água em um campo de refugiados em DadaabSe estes recursos hídricos - equivalentes a 100 vezes a quantidade superficial de todo o continente - fossem aproveitados racionalmente, aliviaria-se um dos grandes problemas da África, onde habitualmente falta água para 40 % da população e, em 2011, houve a pior seca em 60 anos.

Segundo relatório das Nações Unidas, a escassez de chuvas afetou neste ano mais de 10 milhões de pessoas no Chifre da África (África oriental) causando uma grave crise alimentícia e o aumento dos índices de desnutrição em grandes áreas de Somália, Etiópia, Djibuti e Quênia.

Além das mortes a que a cada ano a África assiste aos milhares devido a mazelas relacionadas à falta de água potável e de higiene e saneamentos adequados, a seca e a sede nas zonas rurais e urbanas têm um impacto devastador na vida da população, especialmente a feminina.

HIDRATAÇÃO, "INIMIGA" DA EDUCAÇÃO
Em muitas regiões, os africanos precisam andar a pé vários quilômetros por dia carregando potes e garrafas de plástico para pegar água e, caso bebam o líquido sem fervê-lo, adoecem. Devido a essa tarefa, muitas meninas não podem ir à escola e muitas mulheres não podem ter atividades que lhes garantiriam renda ou ficar mais tempo com os filhos.

Segundo organizadores da Década Internacional para a Ação "A água, fonte de vida", 2005-2015', a falta de acesso à água limpa significa várias horas desperdiciadas por dia em sua busca e estima-se que se percam 443 milhões de dias letivos, especialmente as meninas, já que em muitos países subsaarianos as mulheres se encarregam do abastecimento, diz o relatório.

Na opinião de Alan MacDonald, as grandes bolsas de líquido descobertas no subsolo "poderia aliviar a situação de mais de 300 milhões de africanos que não têm água potável e melhorar a produtividade dos cultivos".

Zanele Dlamini, de 24 anos, pega água perto de sua pequena casa, em MkhulaminiDe acordo com o BGS, em muitas regiões áridas e semi-áridas da África é possível extrair água para abastecer o povo mediante poços artesanais, salvo em alguns países do norte como a Líbia, onde os aquíferos jazem a partir dos 250 metros, e faria falta empregar uma infraestrutura mais cara e complexa.
"Em áreas onde os aqüíferos estão a menos de 20 metros de profundidade,se podem construir poços equipado com bombas de mão situadas nas partes mais produtivas do aqüífero. Na África há qualificados ++hidrogeólogos++ que podem supervisionar o processo", explicou o doutor MacDonald.

OS RISCOS DA EXTRAÇÃO
Mas a extração tem seus riscos. Grande parte das reservas é de "águas fósseis" que estão lá há muito tempo e, se forem extraídas, talvez não voltem a encher de novo. Além disso, a água subterrânea mantém a umidade da terra que sobre ela e está relacionada a lagos, rios, pântanos e pantanais. Se for retirada de forma impensada, os terrenos superficiais podem secar, segundo especialistas de Ecologistas em Ação.

Para MacDonald, em alguns locais a reposição de água dos aquíferos está garantida, mas no Saara, onde chove muito pouco, a contribuição pluvial não bastaria para mantê-los.
"Na maior parte da África as precipitações não bastam para encher os aquíferos, por isso não seria recomendável extrair mais água do que a que se repõe todo ano com a chuva", argumentou o hidrogeólogo.

"Se forem escavados poços com bombas manuais, o risco de que os aquíferos sequem na maioria das áreas mais povoadas da África é baixo, mas se forem perfurados poços para extrair grande quantidade de água para uso em regadios, existe o risco de que se esgotem", advertiu MacDonald.

Os cientistas são cautelosos sobre como acessar esses recursos ocultos e sustentam que as perfurações em grande escala talvez não sejam a melhor forma de aumentar o abastecimento de água.

Segundo Bonsor, os meios de extração lentos - basicamente poços de perfuração superficiais em locais apropriados para provisão rural de água e bombas de mão - podem ser os mais eficientes e "nosso trabalho demonstra que, com prospecção e construção cuidadosas, há água subterrânea suficiente na África para concentrar-se em perfuração superficial e com isso suprir a demanda".

Na Namíbia, onde as 800 mil pessoas que vivem no norte dependem de um canal pelo qual a água potável chega do outro lado da fronteira com a Angola, foi identificado um novo aquífero chamado Ohangwena II, que flui sob o limite entre os dois países.

"É uma massa de água substancial que, no lado namibiano da fronteira, cobre uma área de aproximadamente 70 por 40 quilômetros", segundo o diretor do projeto, Martin Quinger, do  Instituto Federal Alemão de Geociências e Recursos Naturais(BGR), que trabalha com o país africano para obter um abstecimento hídrico sustentável.

Segundo Quinger, "a quantidade de água armazenada igualaria a provisão atual durante 400 anos no norte da Namíbia, onde vivem 40% da população nacional, e poderia atuar como uma armazenagem natural para até 15 anos de seca".

De acordo com o BGR, a pressão natural que está sobre a água indica que o recurso é fácil e de extração barata, embora seja preciso cumprir uma série recomendações técnicas, já que está debaixo de outro aquífero salgado menor, que poderia contaminá-la.

"Se a água passou 10 mil anos debaixo da terra, significa que foi recarregada em uma época em que a poluição ambiental ainda não era um problema, de modo que, em média, pode ser muito melhor para beber que a água que se filtra em ciclos de meses ou anos", assinalou Quinger.

O estudo do BGS sobre as bacias subterrâneas de água lembra que na África a demanda de água "está destinada a crescer consideravelmente nas próximas décadas devido ao crescimento demográfico e à necessidade de irrigação para a plantação".

A encruzilhada em que o continente está se reflete em dois dados: segundo a organização Perspectivas Econômicas na África (AEO), a economia africana poderia crescer 4,5% em 2012 e 4,8% em 2013, mas segundo outro relatório divulgado em Doha na Cúpula da ONU de Mudança Climática, "a disponibilidade de água nos países do norte da África será reduzida à metade em 2050 devido ao aumento de população".

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