Este Blog está uma vergonha. Mais de um mês sem atualização, e eu ainda estou, na verdade bolando um bom post para agradecer o décimo milésimo acesso (é assim que se escreve?). E nós já superamos os 12.000... É, são tempos velozes...
Sendo assim, para que eu mantenha algumas postagens, tentarei fazê-las de forma mais curta. Como este post aqui.
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Este ano eu lecionei para terceiros anos do Ensino Médio excelentes. Mas confesso que, sobretudo no segundo semestre, a música "Química" do Legião Urbana não saía de minha cabeça. Gravada primeiramente no álbum de estreia dos Paralamas do Sucesso, a pedido do próprio Hebert Vianna, é esta canção (quem diria?) que vai abrir as portas "gravadorísticas" para o Legião - que depois irá regravá-la em seu terceiro álbum.
Mas ao contrário do óbvio, não é o refrão fanfarrão ou a reclamação "aborrecente" que mais me "incomodou" nestes tempos. Não mesmo. Foi, sim, a estrofe em que Renato Russo expõe sua visão do "pra quê serve a escola". Reproduzo a letra abaixo, destacando a referida parte:
"Estou trancado em casa e não posso sair
Papai já disse, tenho que passar
Nem música eu não posso mais ouvir
E assim não posso nem me concentrar
E assim não posso nem me concentrar
Não saco nada de Física
Literatura ou Gramática
Só gosto de Educação Sexual
E eu odeio Química
Não posso nem tentar me divertir
O tempo inteiro eu tenho que estudar
Fico só pensando se vou conseguirPassar na porra do vestibular
O tempo inteiro eu tenho que estudar
Fico só pensando se vou conseguirPassar na porra do vestibular
Não saco nada de Física
Literatura ou Gramática
Só gosto de Educação Sexual
E eu odeio Química
Chegou a nova leva de aprendizes
Chegou a vez do nosso ritual
E se você quiser entrar na tribo
Aqui no nosso Belsen tropical
Ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão
Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão
Literatura ou Gramática
Só gosto de Educação Sexual
E eu odeio Química
Chegou a nova leva de aprendizes
Chegou a vez do nosso ritual
E se você quiser entrar na tribo
Aqui no nosso Belsen tropical
Ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão
Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão
Você tem que passar no vestibular
Você tem que passar no vestibular
Você tem que passar no vestibular
Você tem que passar no vestibular"
Você tem que passar no vestibular
Você tem que passar no vestibular
Você tem que passar no vestibular"
De fato, muitas vezes enxergo meus alunos como aprendizes, a escola como um ritual e nossa "sociedade" como tribo - para não ser mais específico em coisas como o "mercado de trabalho", que seria, das tribos, a mais selvagem.
Para as referidas turmas de terceiros, certamente este ano não foi um Belsen tropical (aliás, Belsen foi um campo de concentração nazista). Entretanto para muitos alunos meus, a escola é sim um Belsen. Especialmente nas escolas municipais - e, mais especialmente ainda, para as crianças com necessidades especiais.
E o que mais me chama a atenção é que para variados colegas meus, os dois últimos versos da estrofe sintetizam o triunfo máximo da educação (o restante da sociedade então, nem se fala... "as mídia pira" nessa ideia). É quase (quase?) um consenso entre professores, alunos, pais, poder público, mídia, etc, que o objetivo final, portanto a expressão mais bem acabada de um sujeito bem sucedido é: ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão, ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão.
Entendem? A escola - e o ensino, por extensão - serve para garantir o sucesso no vestibular, e a carreira escolhida após o referido teste, garantirá o sucesso expresso nas palavras acima. Leiam cada palavra e me digam se não é? "Qual mãe não gostaria de um filho assim?" E qual professor que não se orgulharia de ver um aluno seu nestas condições?!
Entendo que uma discussão de valores envolva, evidentemente, toda a sociedade. Mas também entendo a escola como locus privilegiado para discussões de alto nível que possam transcender a ideia tacanha de que seja, digamos, plenamente suficiente para um ser humano "ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão, ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão". Não, não é o suficiente.
Tudo bem que, para o caso da educação pública brasileira, estas já são, de fato, conquistas imensas. Mas isso, no fundo, é nivelar a existência humana, a vida dos alunos, por baixo. E se for para nivelar por baixo, vamos todo mundo lascar e polir pedra que é mais adequado.
Sendo assim, fica a dica aos alunos que estão se formando no Ensino Médio este ano - não só da minha escola, mas "mundão afora":
Tenha mais que "filho na escola", tenha-os, leve-os para outros lugares: bibliotecas, exposições, parques;
Tenha mais que "férias na Europa", viaje o Brasil, conheça o mundo, a Europa é linda e única como um monte de outros lugares (espero que você não tenha pensado imediatamente na Disney...);
Tenha "conta bancária", mas diversifique os investimentos: casas, obras de arte, livros, livros e livros...
Compre feijão, mas compre outras coisas: coma bem, beba bem, alimente seu corpo e sua alma com boas coisas ("a gente não quer só comida", diriam os Titãs);
Seja responsável, pelo amor de Deus (ou insira aqui tua divindade favorita) seja responsável... mas não paranóico;
Seja cristão se quiser, mas cuidado em ser convicto, afinal, muitas vezes (seria sempre?) a convicção extrema é o maior sinal de ignorância;
Seja um cidadão modelo, mas não para ser seguido ou imitado, mas para inspirar as pessoas e para que você queira seguir a si mesmo (e aqui me aproveito da ética de Kant: "age de tal modo que a máxima de tua ação possa tornar-se uma lei universal");
Por fim, em relação ao "burguês padrão", não sei quanto a vocês, mas prefiro não ser nem uma coisa, nem outra...
"Indignados do mundo: uni-vos!"
11/12/2012
Abs.
Prof. Fábio Adorno Espósito.
Ps: Mas que beleza! Eu fracassei retumbantemente em fazer um post curto... Desculpem-me... ¬¬
Ps2: Eis as 2 versões de Química:
1. Finalmente você atualizou o blog, hein prof!
ResponderExcluir2. Acredito que a escola é muito mais do que um lugar onde se aprende a passar no vestibular, é também um lugar de grande aprendizado social, pessoal e mental.
A maioria das pessoas acreditam que o significado de bem sucedido seja "ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão, ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão", mas tudo isso não pode ser comparado a uma vasta bagagem cultural e conhecimento adquirido por alguém que sai do padrão e investe em livros, exposições, viagens nacionais, cultura, etc.
3.Mesmo com alguns alunos esse ano tentando ajudar os professores a "tirar de canequinha a água que faz o navio da educação naufragar", a educação só será plena quando TODOS os alunos, professores, instituições e governo entrarem num consenso de que a prioridade é investimento e dedicação ao ensino.
1- "Aleluia"
Excluir2- Assinado embaixo.
3- E fica a pergunta: será que isso acontecerá algum dia por estas paragens?
Para mim a escola é um primeiro passo, não só rumo a uma profissão pois acredito que o conhecimento é muito mais do que um caminho para o sucesso financeiro, o conhecimento é o caminho da sabedoria, que nos faz rever conceitos, valores e pode nos fazer querer entender um sentido para vida imaginando o que eu gostaria realmente deixar como legado.
ResponderExcluirMarlene, acho que você traz os dois elementos fundamentais para a educação: "o caminho da sabedoria" e o "sentido para a vida". É inclusive muito estranho que qualquer teoria acerca da educação negligencie estes elementos.
ExcluirIsso mostra, sob meu entender, que o atual modelo de ensino vise, de fato, apenas a fabricação de subordinados, nunca de pessoas independentes e autônomas.