Olha só: novamente um alimento ameríndio tentando salvar o mundo da fome. Batata, milho, quinoa...
Ano Internacional da Quinoa pode diminuir insegurança alimentar e transformar a dieta mundial
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A quinoa, um tipo de grão
altamente nutritivo que entrou recentemente no cardápio de grandes
chefs
em todo o mundo, tem sido uma parte importante da alimentação durante
séculos na América do Sul, entre as comunidades pré-colombianas
agrícolas andinas da Colômbia ao Equador. Na verdade, a maioria da
quinoa do mundo é cultivada no altiplano, que abrange o Peru e a
Bolívia.
Em 2012 o presidente da Bolívia, Evo Morales, foi nomeado embaixador especial para o
Ano Internacional da Quinoa pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (
FAO).
A quinoa foi levada para os holofotes da ONU pelo presidente Morales —
ele próprio um ex-agricultor do grão — que foi a nova Nova York
para o lançamento do Ano,
juntamente com a primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, que promove a
dieta tradicional andina para combater a desnutrição infantil.
Ao declarar 2013 o “Ano Internacional da Quinoa”, as Nações Unidas
esperam popularizar uma semente de suporte à vida que pode ajudar a
promover a segurança alimentar e a erradicação da pobreza, acabar com a
desnutrição e estimular a biodiversidade em apoio à realização dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (
ODM).
É também uma forma de um reconhecimento aos povos indígenas que
preservaram a quinoa através do conhecimento e práticas tradicionais
passadas através dos tempos.
“Nós queremos que o mundo a conheça”, disse Alan Bojanic,
vice-representante de Escritório Regional da FAO para América Latina e
Caribe, admitindo que algumas pessoas questionam a decisão de dar à
quinoa um ano próprio.
Alimento indígena em harmonia com a Natureza
Na Resolução 66/221, a Assembleia Geral da ONU declarou o Ano
Internacional da Quinoa em reconhecimento aos povos indígenas andinos
“que conseguiram preservar a quinoa em seu estado natural como alimento
para as gerações presentes e futuras, através de práticas ancestrais de
viver em harmonia com a Natureza”. Por isso, o tema deste ano: “Um
futuro semeado há milhares de anos”.
A quinoa não é exatamente um grão, nem um vegetal. É um ‘pseudo’
cereal, parte do gênero Chenopodium e relacionado com a beterraba e o
espinafre. As sementes de quinoa são isentas de glúten e têm todos os
aminoácidos essenciais, oligoelementos e vitaminas necessários para a
sobrevivência. Devido ao seu alto valor nutricional, os povos indígenas e
pesquisadores o chamam de “o grão de ouro dos Andes”.
Quinoa é a ponte para a segurança alimentar
Advertindo que o cultivo está “ainda em fase experimental” em algumas
áreas, Bojanic, que também atua como secretário para o Secretariado do
Ano Internacional da Quinoa, disse que a quinoa “está começando a ser
consumida por países que não pensariam em tê-la há alguns anos”. Isto
inclui Canadá, China, Dinamarca, Itália, Índia, Quênia, Marrocos e
Holanda, que já estão produzindo ou fazendo testes agronômicos para a
produção comercial da quinoa.
A Bolívia e o Peru são responsáveis por mais da metade das 70 mil
toneladas de quinoa produzidas anualmente, com os Estados Unidos
responsáveis por cerca de 7 mil toneladas e a França logo atrás, segundo
relatórios da FAO. A quinoa é resistente, ela vive em temperaturas de
-8ºC a 38ºC, ao nível do mar ou 4 mil metros de altitude e não é afetada
por secas ou solos pobres.
“Esta cultura pode ser cultivada em condições muito difíceis, como o
semiárido, em altitudes elevadas ou nível do mar, sem fertilizante. É
uma cultura incrível em termos de adaptabilidade a ambientes
estressantes”, observou Bojanic.
Esta capacidade de adaptação torna a quinoa potencialmente viável
para áreas com secas periódicas, como a região do Sahel — que inclui o
Senegal, Chade, Níger e Mauritânia –, onde milhões de pessoas necessitam
de ajuda alimentar de emergência e a desnutrição é galopante.
Os números mais recentes da FAO, contidos no
Relatório sobre o Estado da Insegurança Alimentar no Mundo de 2012,
mostram que, apesar dos progressos significativos, quase 870 milhões de
pessoas — ou uma em cada oito — ainda sofrem de desnutrição crônica.
Funcionários da ONU dizem que ainda há tempo para atingir o Objetivo
de Desenvolvimento do Milênio para redução da proporção de pessoas que
passam fome em todo o mundo pela metade até 2015, mas os países devem
intensificar os seus esforços e a quinoa oferece uma esperança.
O dilema da quinoa
Atributos agronômicos e nutricionais de lado, o sucesso global quinoa
depende de fazê-la acessível. Os consumidores não compram o que não
podem pagar e os agricultores não vão plantar grandes quantidades de um
cultivo que não é financeiramente viável.
Esse é o chamado dilema da quinoa uma vez que, como a demanda por
quinoa tem crescido nos últimos anos, também tem o seu preço. Há uma
década, uma tonelada de quinoa custava menos de 70 dólares e agora é
vendido por mais de 2 mil dólares, de acordo com dados da FAO.
Na Bolívia, os agricultores da quinoa próximos ao Lago Titicaca, o
reservatório de água mais alto do mundo, levam na altura da cintura
hastes cobertas de flores roxas, amarelas, verdes e laranjas para a
colheita. Este é considerado o berço das grandes civilizações para os
tiahuanaco e os incas e ali está a origem da quinoa.
“Agora as pessoas em todos os lugares estão comprando quinoa. Em La
Paz, eles vendem nos mercados. Está em toda parte. Por essa razão,
também somos capazes de vender em pequenas quantidades. Com esse
dinheiro sustentamos nossas famílias”,
relatou o agricultor Elias Vargas à ONU.
Vargas e seus vizinhos vendem suas colheitas a uma cadeia de café
boliviana, Alexander Coffee, que usa quinoa em suas saladas, sanduíches e
sobremesas. A padaria da empresa produz mais de mil biscoitos de quinoa
e chocolate por dia.
“No começo foi difícil mudar a mentalidade”, lembrou a diretora
executiva da Alexander Coffee, Pamy Quezada Velez. A quinoa costumava
ser conhecida como “o alimento do homem pobre” e os bolivianos preferiam
comer trigo e arroz. “Mais pessoas estão se abrindo para a ideia e
estamos indo bem com quinoa.”
A parceria entre os pequenos agricultores e pequenas empresas é parte
de um projeto apoiado pelo Fundo Internacional da ONU para o
Desenvolvimento Agrícola (
FIDA).
Enquanto os agricultores como Vargas não crescem o suficiente para
vender para o mercado externo, o aumento do consumo interno
proporciona-lhes novas oportunidades.
Aumento dos preços e preocupação com a desnutrição
Quase todos os cerca de 250 mil hectares de terras agrícolas de
quinoa estão nas mãos de pequenos agricultores e associações em todo o
mundo. A FAO estima que pelo menos 130 mil pequenos produtores de quinoa
só na América do Sul vão se beneficiar este ano do aumento de vendas,
preços mais elevados para suas colheitas e de um retorno às práticas
indígenas de forma sustentável.
“Nos mercados tradicionais, ainda é bastante acessível para as
pessoas pobres, mas quando você a encontra no supermercado tende a ser
bastante caro”, observou Bojanic.
A rápida expansão da agricultura quinoa nos últimos anos tem sido uma
faca de dois gumes. Como os preços sobem, os agricultores estão mais
propensos a vender as colheitas de quinoa que consumiriam, gerando
preocupações de desnutrição. Cerca de um terço das crianças com menos de
cinco anos nos países andinos já estão cronicamente desnutridas, de
acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (
OMS).
A mudança na escolha de alimentos como resultado de uma maior renda
também está fazendo com que alguns agricultores mudem sua dieta
tradicional para alimentos processados mais calóricos. A mudança ocorre
particularmente entre os jovens, que preferem um refrigerante com açúcar
a uma bebida caseira de água fervida, açúcar e farinha de quinoa.
Além disso, os incentivos maiores para produzir mais quinoa também
estão contribuindo para disputas de terra. “Terra que mal tinha uso no
passado e agricultores de pequeno porte que não estavam em conflito
estão começando — agora que a terra tem mais valor — a entrar em
conflito entre si para que possam reivindicar essas terras para a
produção de quinoa”, relatou Bojanic.
As disputas por propriedade são ainda mais agravadas pela migração
reversa, com os altos preços da quinoa motivando os moradores que se
mudaram para as cidades a retornar ao campo, e pela falta de descanso
suficiente do solo entre as colheitas.
O impulso para o aumento da produção está aparentemente em desacordo
com a vida tradicional dos agricultores de quinoa, uma razão principal
para a quinoa ter sido selecionada para a homenagem. Mas funcionários da
ONU ressaltam que o aumento da importância de desenvolvimento de
sistemas de produção sustentáveis para o consumo de quinoa e a segurança
alimentar estão entre os principais objetivos para o ano.
Estimular práticas agrícolas sustentáveis e parcerias
O
Ano Internacional da Quinoa é coordenado por seu Comitê de Coordenação
Internacional –composto pelos Ministérios da Agricultura dos países
andinos e da França. A Bolívia tem a presidência da Comissão, com o
Equador, Peru e Chile compartilhando a vice-presidência.
“A reação é muito entusiasmada”, disse Bojanic. “Os governos estão
buscando uma abordagem coordenada para aumentar a produção nacional e
regional.”
No setor público, a ONU está procurando envolver centros
internacionais de pesquisa agrícola e centros de investigação nacionais
em uma rede global de pesquisa e um banco de dados de genes para manter a
colheita de 120 variações. A ideia é que especialistas testem as
culturas e mostrem aos agricultores como eles podem melhorar seus
cultivos sob diferentes condições.
A professora Luz Gomez Pando é uma das especialistas locais e
acadêmicas que trabalham com a ONU, em Lima, Peru. Baseada na
Universidade La Molina, ela utiliza a radiação nuclear para desenvolver
novas variedades de quinoa que têm um rendimento mais elevado. Os raios
gama aceleram o processo de evolução que levaria milhões de anos na
natureza. Ela, então, dá as sementes às mulheres agricultoras e, na
época da colheita, cozinha quinoa com elas.
“Eu vim do planalto acima de 3 mil metros e sou filha de dois agricultores”, afirma Gomez à
Rádio ONU e à Agência Internacional de Energia Atômica (
AIEA). “O que precisamos agora é ter essas culturas muito rápido em extensos campos.”
A maioria da quinoa é produzida utilizando as tecnologias
tradicionais, que resultam em baixos rendimentos. Um hectare normalmente
resulta em 600 kg de quinoa. A FAO quer aumentar a produção para uma
tonelada de quinoa por hectare. Isso ajudaria a aumentar a produção
global de 70 mil toneladas para 200 mil toneladas por ano até 2018,
através de tecnologias melhoradas e engajamento com empresas que já
processam quinoa, incluindo grandes importadores e exportadores.
“As empresas que lidam com quinoa na Bolívia estão começando a
transformar a quinoa em diferentes produtos e exportá-los, e estamos
começando a entender melhor e estudar o potencial deste alimento. E
também identificar quais variedades são boas para o quê”, disse Wilfredo
Rojas, coordenador da Fundação Proinpa, da Bolívia.
Além da quinoa pura, há um mundo de subprodutos relacionados com
sementes de quinoa, variando de pão orgânico e espaguete a vodca e
cosméticos.
Os novos produtos estão chegando a novos consumidores, uma tendência
que o Comitê Internacional para a Quinoa quer continuar. Eles devem
chegar este ano a feiras de alimentos, livros de receitas, competições
culinárias e eventos culturais para reforçar a posição de quinoa no
mundo gastronômico.
“Todos nós devemos prová-la. É importante pelo valor que representa
para a sua própria saúde. É muito fácil de cozinhar. Tem um sabor
agradável. Há muito espaço para a imaginação”, concluiu Bojanic.
Saiba tudo sobre o Ano Internacional da Quinoa: